A Poesia que pulsa entre Tradição e Ousadia

Ivan Justen Santana nos entrega em Terceiros Episódios (2025) um livro que é um verdadeiro tour de force poético. Não se trata apenas de uma coletânea de poemas, mas de um diálogo vibrante entre o clássico e o contemporâneo, entre a seriedade da forma e a irreverência do conteúdo. Santana não tem medo de brincar com as palavras, mas também não hesita em mergulhar fundo nas questões mais cruciais da existência.

Logo de cara, o leitor percebe que Ivan domina as formas tradicionais com maestria. Seus sonetos, como “Dentre Facções” e “Colecionando Mais um Soneto”, têm a precisão métrica de um ourives, mas a linguagem é moderna, às vezes até desconcertante. Em “Mais um Soneto Destabocado à la Gregório de Matos”, ele brinca com a seriedade do gênero:

É como se dissesse: “A poesia pode ser séria, mas não precisa ser solene.” Essa mistura de erudição e deboche lembra o melhor do modernismo brasileiro, aquele que Drummond e Oswald de Andrade souberam tão bem explorar.

Já a musicalidade é outro trunfo deste livro. Em “Choro pela Confusão”, a repetição de “choro” cria um ritmo quase hipnótico, como um samba-canção que vai se desfiando em melancolia:

“choro pela confusão / que você nem bem ainda adivinha”

Já em “Vogais Vagais”, Ivan parece dançar com as palavras, explorando sons e ritmos de maneira que lembra Rimbaud e a poesia concreta:

O poeta não tem medo do grotesco. Em “Historinha Escatológica”, ele usa o humor ácido para criticar a política, num tom que lembra Manuel Bandeira no seu melhor estilo:

“E um bêbado cuspiu feio / qual se fosse um gesto crítico”

Já em “Onirofagia”, o poeta mergulha no surrealismo com uma imagem poderosa:

“sonhei que devorei meu coração”

É como se Baudelaire e Lorca tivessem se encontrado num bar de Curitiba para escrever um poema juntos.

O livro alterna entre poemas curtos e incisivos “Três Pecinhas Soltas Encaixadas” e outros mais densos e reflexivos como “Descida Depois de Ler Junqueira Freire”. Em “Para a Bola da Percepção”, Ivan reconta a famosa parábola dos cegos e o elefante, mas com um toque de humor e filosofia: “explicitamente roxo”

É poesia que faz pensar e sorrir ao mesmo tempo.

Ivan nunca escondeu suas influências que vão da poesia clássica a moderna, dos poetas universais aos locais. Em “Os Oito Limeriques do Xadrez”, ele brinca com a forma do limerique para falar de um jogo intelectual, numa mistura de Bocage e Millôr Fernandes. Já em “Doze Quadras ao Desgosto Impopular”, homenageia Pessoa e Kolody, mas com um tom mais ácido:

“A imaginação vai bastar”

É como se dissesse: ´A vida pode ser dura, mas a poesia nos salva.´ Ou ainda citasse a famosa frase Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta.”

Terceiros Episódios é daqueles livros que não se esgotam numa primeira leitura. Santana consegue ser erudito sem ser pedante, engraçado sem ser superficial, e profundo sem ser obscuro. Nem o experimentalismo parece algo forçado como muitos poetas modernos o são.

O livro de Ivan prova que a poesia tradicional e a contemporânea podem coexistir, lembrando aqui o grande T. S. Eliot (1888-1965) que foi talvez um dos a pensar na confluência entre tradição e modernidade na poesia, numa relação especular e necessária.

Sobre o autor:

Ivan Justen Santana é pesquisador, tradutor e poeta. Tem formação em Letras, graduação pela UFPR, mestrado pela USP e doutorado pela UFPR. Apesar de sua longa trajetória literária – evidenciada pelo blog ossurtado.blogspot.com, que manteve ativo entre 2004 e 2018 com postagens de poemas, traduções, ensaios e críticas –, Ivan demorou a publicar seu primeiro livro autoral. 64 Peças só viria a luz em 2015 pela editora Dezoito Zero Um, seguido por Buquês de Limeriques em 2018 pela Kotter Editorial, mostrando que sua maturação como poeta seguiu um ritmo próprio, sem pressas editoriais. E agora seu terceiro livro: Terceiros Episódios.

Entre suas traduções, destacamos: All Poetry. Paulo Leminski. com Charles A. Perrone. Editora New London Librarium, 2022; Translations: Literature in Transit. Vários autores. Org. Assionara Souza. Editora Arte & Letra, 2014; João Turin: vida, obra, arte, de José Roberto Teixeira Leite, Nossa Cultura, 2014; A Batalha pela Alma dos Beatles, de Peter Doggett. Nossa Cultura, 2012; – O homem deu nome a todos os bichos. Bob Dylan & Jim Arnosky. Nossa Cultura, 2012; Banksy: Por trás das paredes. Will Ellsworth-Jones. Nossa Cultura, 2013; Essências Transfiguradas / Transfigured Essences. Chloris Casagrande Justen, 2011; Serra do Mar / Sea Mountain Range. Josina Melo. Editora J. Melo; 1999; Antologia de Rio Spoon. Edgar Lee Masters. Kotter Editorial 2022.

Também foi responsável pela organização da Obra Completa, de Emiliano Perneta, publicado pela editora Anticítera, 2023.

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